domingo, 20 de março de 2011

Eu declamo e tu que me pagas

Pode parecer implicância, mas, não posso deixar de falar um fato que ocorreu esta semana e que remete ao que escrevi na semana passada sobre aquele programa de televisão meio boboca de nome “Esquenta” e ocorrido com a ilustre cantora Maria Bethânia. Pois bem, a grande artista obteve autorização do Ministério da Cultura, através da lei Rouanet a captação de 1,3 milhões de reais para um projeto de declamação de poesia na internet através de 365 pequenos filmes produzidos pelo cineasta Andrucha a serem divulgados em seu blog. Se o leitor não sabe, esta autorização se trata de uma renúncia fiscal, que funciona do seguinte modo: O artista apresenta o projeto ao Ministério da Cultura que avalia e autoriza que se faça captação junto às empresas privadas que desejam patrocinar, obtendo para isto abatimento no imposto de renda. Enfim, é o dinheiro público sendo usado para a “divulgação e realização” da “obra artística”. O caso de Maria Bethânia é emblemático, porque se trata de uma cantora consagrada internacionalmente, que em razão de seu histórico no cenário musical, por certo não precisaria recorrer ao dinheiro público para realizar qualquer projeto, inclusive este de declamar poesia (ela tem esta mania de ficar declamando poesia a torto e direito. Uma vez assisti ao seu show no Teatro Castro Alves em Salvador e lá no meio da apresentação danou declamar Fernando Pessoa sem parar, uma chatice. Ela canta infinitamente melhor do que declama. Fico imaginando Ivete Sangalo declamando Versos Íntimos de Augusto dos Anjo, para mim é a mesma coisa, já imaginou se a moda pega). O problema como já disse, além do uso do dinheiro público, de uma artista que sabidamente não precisa do capilé governamental, são os argumentos dos que defendem a idéia de que ela está correta. Teve um diretor mundialmente desconhecido, que só sobrevive ás custas do erário para realizar suas “obras”, afirmando que somente a elite branca de São Paulo esbravejou por puro preconceito. Sei! O descalabro é que dos 1,3 milhões de reais, 600mil é destinado a diretora artística do projeto na rubrica de salário e dou um carcará para adivinhar quem vai receber esta bolada. Tal situação faz lembrar o pai da Ministra da Cultura, Sergio Buarque de Holanda ao definir o homem cordial, ou seja, aquele brasileiro que confunde o patrimônio particular do público, onde para ele é tudo a mesma coisa, contanto que a conta seja paga pela viúva. E o que isto tem haver com o programa televisivo citado no início deste post? Tudo. Primeiro vão dizer que isto é uma grande obra cultural, pois nos leva ao mais profundo sentimento de brasilidade, depois dirão que por ser Bethânia, grande diva, ela tem todo o direito de declamar uns poeminhas pela bagatela de 1,3 milhões. Não convencendo, a própria irá ao programa de televisão, provavelmente o tal ”Esquenta”, dizendo que está sendo perseguida e que sua carreira como artista lhe dá respaldo para realizar o “projeto” e que vai contribuir muito para a cultura do Brasil. O seu discurso será intensamente aplaudido pelos presentes e a apresentadora com certeza dirá: “Esquenta não, é pura inveja”. Pois é eleitor, é o nosso dinheiro patrocinando “projetos” de quem com certeza não precisa dessa benesse para divulgar seu trabalho. É ou não é de esquentar o juízo de qualquer um?

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